quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Rui Dias: A única salvação de Jesus

 

1. Os futebolistas são os primeiros a sentir as fraquezas de quem os comanda, sinal de que percebem automaticamente quando a rédea fica um pouco mais larga. Ao menor sinal de precariedade na posição do líder, os soldados têm a tendência natural para serem menos recetivos às ordens, aos conselhos e demais orientações. Na sua recente autobiografia, sir Alex Ferguson confirma a ideia: "No momento em que o treinador perde a autoridade, o clube deixa de existir. Os jogadores assumem o controlo e ficamos em apuros." Naturalmente Jorge Jesus viu a posição fragilizada no Benfica pelos acontecimentos na final da Taça de Portugal. Agora, só uma boa relação com o exército que comanda permitirá evitar a rotura.

2. Jesus pode receber o apoio do presidente, ver diminuída a contestação dos adeptos ou amenizar a revolta oriunda das mais diversas plataformas mediáticas; pode até ver fortalecida a tolerância face às explicações para o mau início de temporada; mas a chave para salvar-se está na gestão do dia-a-dia, em todos os elementos de relacionamento com a equipa e nessa paixão de uso quotidiano que é o treino. O atraso não é irremediável e tudo se resume agora a fazer com que uma sugestão volte a ser entendida como ordem; que qualquer ataque ao comandante recupere a dimensão de ofensa à pátria; que entre uns e outros se restitua uma relação de confiança para divinizar o compromisso dos jogadores com a bandeira, com a luta, com a vida que escolheram e com o homem que os lidera.

3. O Benfica não se contenta com vitórias sofridas, feitas de inteligência tática, pragmatismo e disciplina; desvaloriza os favores da sorte e não sabe viver em regime impessoal de formalismos, com ausência de afetos e cumplicidades. Ganhar só faz todo o sentido se as manifestações de superioridade forem indiscutíveis e os adversários se renderem à evidência; no fundo, é preciso cumprir os requisitos da arrogância dominadora cravada no ADN do clube e de que Jorge Jesus tem sido intransigente defensor. De resto, o maior problema não é a gestão dos recursos, muito menos a capacidade de cada elemento perceber o papel que lhe está consignado no plano global. A questão é que o Benfica tem sido, continuadamente, uma equipa estrita, formal e austera, que se limita a cumprir as linhas básicas da cartilha.

4. Tudo depende agora se a equipa recupera ou não o sentido de aventura e os valores adjacentes de exaltação, dinâmica, intensidade, autoestima... Os jogadores têm de aceitar a orientação que lhes é dada mas devem também dar cunho pessoal à execução. É como na música: pode tocar-se Mozart pela frieza de uma pauta ou interpretá-lo com a paixão e o génio de Maria João Pires, por exemplo. Não se trata de apelar à desobediência mas de recordar que ninguém atinge a excelência limitado a cumprir ordens. No clima tumultuoso da Luz, a paz só chegará com a esperança, tal como a harmonia só será duradoura se o general inculcar nos soldados o prazer pelo jogo e o orgulho de servir a causa. Só com uma relação global de compromisso a nau chegará a bom porto; só com os padrões estéticos e competitivos de outrora a família encarnada voltará a ser feliz. 

- Rui Dias, jornal Record, 30 de Outubro de 2013

1 comentário:

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